quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Língua como instrumento de poder e ascensão

É fácil perceber o sucesso daqueles que usam a língua para alcançar seus objetivos, sejam eles em quaisquer áreas. O vendedor de bala dentro do ônibus é eloquente, senão ninguém compra. Aquele camelô que faz o bonequinho dançar ao bater palma é persuasivo, prende a atenção do pedestre com a música e o movimento do boneco, levando os passantes a comprá-lo, mesmo sabendo que é puro engano. Os oradores e suas retóricas populares, religiosas, políticas arrastam multidões que entram em transe ao som de cada palavra dita.
Há aqueles que logram, enganam roubam sem dar um tiro, sem violência. Utilizam apenas o dom da palavra e seus interlocutores gostam e acreditam, fazendo o que eles querem. São uns “sedutores” na arte de comunicar. E o que estas pessoas têm de diferente? A palavra bem usada, bem colocada, bem posta, dita na hora certa e no lugar certo.
O mais famoso camelô, o homem do baú, todas as tardes de domingo em seu programa vende a imagem de uma pessoa bem sucedida, confiável, carismática. E quem está do outro lado, sentado confortavelmente no sofá acredita que se comprar aquele produto ficará de bem com a vida, pois não é o bem físico que importa, mas o sonho, o desejo, a possibilidade de se ter o que é oferecido. Ganhar ou não faz parte do jogo.
Nas empresas, o idioma é usado com eficácia pelos líderes, por aqueles que estão no alto da pirâmide. Geralmente são os que têm os melhores salários, têm mais “status” e conseguem administrar uma equipe, uma empresa, um projeto com destreza. Usam sua facilidade de expressão para agregar, para alcançar seus objetivos, envolvendo as pessoas com sua fala firme e acolhedora, sem alterar o tom, sem gritar. Apenas conversam. E convencem.
A pesquisa encomendada pela empresa americana de consultoria Johnson O’Connor Researche Foundation em 2007, sobre a quantidade de palavras que um candidato deve ter em seu vocabulário para ser promovido ou obter uma vaga, é um bom parâmetro que comprova a necessidade do saber falar corretamente. É óbvio que aplicada ao Brasil devemos ser mais flexíveis, até pelo grau de instrução e pelos investimentos feitos em educação em ambos os países. Mas não deixa de ser um interessante indicador de como a língua dá poder as pessoas.
Veja o quadro:



Fonte: Revista Veja, edição 2025, nº 44, 12 de setembro de 2007.

Na mesma proporção, geralmente aqueles que não construíram um bom vocabulário durante sua vida escolar dificilmente terão bons resultados e ficarão sempre à sombra dos mais eloquentes, independente de seu grau de especialização, haja vista quem não souber aplicar o que aprendeu através da modalidade escrita, certamente terá que buscar outros meios para crescer na vida profissional, terá que desenvolver outras habilidades.

Sergio Batista da Silva, Mestrando em Ciências Sociais e Letras pela Unigranrio

9 comentários:

Cristina Novikoff disse...

Ségio, obrigada pela oportunidade de tratar brevemente, desse tema. A língua, seus signos, linguagem e sua expressão são configurações e configuradoras do homem. A alma lá está, à espera do desvelar. Desejos, conhecimentos, valores e ideologias podem ser indicados. Mas devemos entender que nem todos desejam o topo da pirâmide, ser o "maior", mas muitas vezes desejam ser, simplesmente (nem sempre simples assim!), importante para alguém que se ama. Querido Sérgio, vocabulário, suas etimologias podem contribuir, mas jamais determinar sucessos ou fracasso, pois estes ainda estão nos labirintos da alma. Vamos pensar?

Sergio disse...

Professora, é correto afirmar que nem todos querem o topo da pirâmide. Todavia, quem está lá não quer sair nem contribuir para que o outro cresça, melhore sua qualidade de vida. E isto leva a exclusão à medida que a este outro não lhe é dada oportunidades de transformar seu cotidiano.
Observe como o discurso midiático, principalmente o televisivo, usa e abusa de coloquialismos com a alegação que é para o povo entender melhor. Só esta atitude já é o suficiente para comprovar o que penso: o povo não pode ter um vocabulário melhor, pois para tê-lo, mister leitura, estudo, interpretação...
E quem está lá em cima não quer isto.

Vamos pensar sempre juntos.

Cristina Novikoff disse...

Concordo! Nem todos querem sair mas, imortais não o são. O estudo implica em interpretação. Esta em criação. Este em emoção, sentimento e linguagem. Vamos abandonar o discurso de que dependemos do governo para tudo. A web 3.0 vai ser a maior revolução que já se viu. estamos engatinhando aqui.

Sergio disse...

Então vamos fazer dela um instrumento de transformação, pois a única verdade eterna é a morte.
Através dela exporemos nossas opiniões, nossas inquitações, para um dia, quem sabe, acabar com esta incongruência.

analucia disse...

Muito intressante esta discussão sobre o poder que o discurso exerce sobre os homens.Minha inquietação passa exatamente por este campo. Como permitir que o surdo se insira neste contexto sem o domínio nem da Língua Portuguesa, nem da Língua de Sinais? Procuro em meu trabalho sensibilizar as famílias de meus alunos (0 a 3 anos de idade)para a importância da aquisição de uma língua. Muitas se recusam em aceitar a LIBRAS, já que estas famílias são ouvintes, no entanto, em minha prática com estes pequenininhos vejo bastante resultados quando eles começam a entender e apropriar-se de uma língua. Através da brincadeira a interação se torna mais rica quando existe esta intermediação. Estou lendo Slobin (Psicolinguistica) e achei muito pertinente este pensamento onde ele discute a importancia da linguagem e do pensamento: "Vygotsky e Piaget, ocupam-se da fala e do pensamento na medida em que a fala está envolvida na comunicação de conhecimento entre pessoas. Contudo, mais especificamente, eles se ocupam com a Linguagm e com o pensamento, isto é, com as relações entre linguistica interna e estruturas cognitivas. Para eles, o uso interno da linguagem não precisa, necessariamente, se refletir nos movimentos articulatórios do aparelho vocal." (SLOBIN. Psicolinguistica, 1980:204).
Na Educação Precoce penso neste futuro adulto e suas possibilidades dentro desta nossa sociedade onde o poder está com aqueles que muitas vezes tem o domínio da palavra falada. Mais nada.
Ana Lucia do Nascimento . Mestrado Acadêmico em Letras e Ciências Humanas -UNIGRANRIO

Thera disse...

O tratamento que damos a linguagem e as formas como efetivamente ela se manifesta é um objeto interessante para ser investigado. Quando Sérgio aponta para a importância do vocabulário e Ana Lúcia pontua seus estudos sobre a linguagem de sinais percebemos claramente que a grande preocupação do ser humano é a comunicação, seja para vender balas, fazer bonequinhos interagirem, promover um produto, demonstrar opiniões. Quando passamos a ler mais, nosso vocabulário é ampliado e então percebemos que não há sinônimos perfeitos, que muitas vezes temos que encontrar a palavra certa, sob pena de sermos mal-interpretados. São tantas formas sutis de levar alguém a reconsiderar suas convicções para atender interesses de outrem. Esse é um perigo da linguagem, seja ela de sinais, palavras, sons, imagens, odores... A linguagem é semiótica e às vezes os signos não combinam entre si. da linguagem.
Na esteira da Análise Crítica do Discurso, a concepção de discurso é vista como uma prática social que transforma e constrói mundos. Pode destruir também; depende do enfoque, do enquadramento, do sujeito não entender os predicados! Assumimos, assim, uma interpretação qualitativa da análise dos nossos dados a partir narrativa de cada um. Haja vocabulário, haja sinais, haja signos para entendermos a comunicação humana, que possibilita o exame de como as pessoas organizam e interpretam a experiência... ou vivências!

Sergio disse...

Ana, o caminho é este, o da inserção, da inclusão, de proporcionar a todos as mesmas chances. Veja o quanto é gratificante observar o crescimento do aluno através da linguagem, pois para tê-la, é necessário o entendimento de diversos códigos, sinais, signos, significados, significantes...
E isto lava-o a pensar. E quando o aluno pensa, ele se descobre como pessoa, como cidadão, podendo assim cobrar e exigir seu direito básico: uma educação de qualidade.

Sergio disse...

Terezinha, este perigo ao qual se refere é real e próximo. Você já observou como a mídia faz uso da função conotativa da linguagem?
O que nos dá o real valor da libertadade é saber que as regras existem, que os sinais são para serem entendidos.

Jeanne Barros Antunes disse...

Esse texto nos faz repensar como a Língua é um instrumento de poder e ascensão porque ela oferece possibilidades para a descoberta da verdade, e proporciona recursos para semear concórdia/confusão podendo manipular na medida do discurso ideológico. A manipulação faz vencer-nos sem convencer-nos, nos seduz para aceitarmos o que esse discurso pretende. E não nos dá a escolha de liberdade das idéias.
Para isso podemos citar inúmeros “Líderes” que impuseram por intermédio da língua o seu poder e sua ascensão e muitos depois a sua derrocada.
Deve-se ter cuidado com a língua que é o maior dom que o ser humano possui, mas também, é o mais arriscado. Pois ela pode ser terna ou cruel, amável ou displicente, propagadora da verdade ou da mentira. Basta conhecer tais recursos e manejá-los habilmente, e uma pessoa pouco preparada e a mais astuta pode dominar facilmente as pessoas e povos inteiros se estes não estiverem atentos.
Portanto, a língua cria palavras, e em cada época da história algumas delas adquirem um prestígio social e especial de forma que ninguém ousa questioná-la porque a língua é mutável. Dessa forma você adquire poder e ascensão, e por isso, nós como educadores devemos ter o cuidado para orientar os nossos alunos para uma construção de um bom vocabulário por intermédio das leituras é que vai ser obtido esse resultado para a constituição de uma cidadania plena e participativa na sociedade e não ficando à sombra dos eloqüentes.
Jeanne (Mestranda de Letras e Ciências Humanas – UNIGRANRIO)